quinta-feira, 11 de abril de 2013

Génesis


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



Primeiro dia:

Na escuridão vazia,

Uma força aglutinada

Pulsava sobre o Nada.

Esse Tudo, parado,
 
Pairava no abismo.
 
Eras caos, então calado,
 
Ante grito, agora sismo.
 
Tremor, que neste grão poeirento,
 
Mais que firmamento,
 
És Ideia que conduz.

 Haja luz e fez-se luz.

Oh! Astro Rei!

Também eu tentei!
 
Vesti-me dessa aurora,
 
Vi no céu a luz de outrora
 
Que das estrelas faz sonhar.
 
Ouvi, nas ondas da demora,
 
Entre as terras de um só mar,
 
Esse grito que percorre
 
Sangue d’alma adormecida.


Viva em sonho o que não morre,

Morra o Nada que há em Vida.


Segundo dia:

Mais que o Tudo prometia,

Outra onda se alevanta.
 
Oh! Grandeza tanta,
 
Que És também o rei do mar,
 
Move as ondas, faz do ar
 
Pano d’água para tenda.
 
Juntas-Lhe o calor.

 

Oh! Rei do Fogo sob a fenda

Ergue o céu ao teu esplendor!

 

Céu no qual, como a águia sobre aldeia,

Pairas, vês o Sol de frente.

Minh'alma se incendeia

Com o que é Teu e não de gente.

Sonhava em miúdo,

Ser águia. Voar.

Do meu alto ver o Tudo,

Ver a terra, ver o mar.

Mas, se assim voa sobre nós,

Do seu alto é mais pequena.

Não nos vêem: somos sós.

Somos Nada, somos pena.





Terceiro dia:

Na força que se encerra,

Água baixa se entrevia

Na secura, agora Terra.

Baixa após a ordem

De fugirem para os vales.

Montanhas se descobrem

Neste grão ainda sem males.

Mas, à verdura

A semente.

Árvore da loucura,

Colhe o fruto de quem sente!


Ouve! Como a Natureza soa

Pela água que aqui corre!

És quem gela esta lagoa,

Passa o tempo e tudo morre.

Tudo menos Tu

Desde início no vazio.

A tudo dás o nu,

Calas, matas, dás o frio.

Deus, que és o meu tormento,

Sempre Inverno, quem Te dera?

Para quê cessar o vento

E do Nada, Primavera?




 
Quarto dia:

Em dois termos se acendia

Terra então alumiada.

Luminar de governada

Noite fria ao luar.

Luminar que rompe o Nada

Que se aquece ao teu raiar.

 

Assim se fazem os dias.

Breves para que rias.



Sim! Porque És louco e vil em mim!

Só te ouvi na escuridão.

Ante sonho que é no fim,

Longo eco sem razão.

Ser que fui e não mais sou,

Onde está a tua voz?

Grita agora o que calou

Este Nada que é o "nós".

Ri-me do Teu ser,

Exorcizei a Tua essência.

Ri-te, eu vou morrer.

Com ou sem demência.


 
Quinto dia:

Grande era a baleia,

Entre os mares, que se movia.

Estende a Tua teia

Rei dos animais viventes!

Dás-lhe a Tua areia,
 
Praia de outras gentes:
 
Antes monstros pelo chão,
 
Grandes aves pelo ar.
 
Assim eras, sem Adão,

Rei do Nada a governar.



Preparavas-me a existência.

Servo na dormência…

 
Mas, p'ra que quero

Ser-Te servo toda a vida,

Se o que vive em mim sincero

É por Ti alma reprimida?

De que serve a mim o brio

A espantar-me do pecado,

Se Te serves de elogio

P'ra mentir a um desalmado?

Não sei, mas obedeço...

A Ti, dominador!

Humilde assim mereço

Ser quem sou, viver em dor.



 
Sexto dia:

Belo paraíso!

Venha a companhia,

O pecado e venha o riso!

Que todos assim tomem

Como Rei do que criaste:

Todo e qualquer homem

Que Te reza e bem amaste.

Doutro à tua semelhança,

Assim nasce a razão.

Dai-Me a voz de uma criança

Para fazer uma questão:

Pergunto se Deus pensa.

Só sente? É feliz?

Perfeito na sentença,

Pensar, é de aprendiz.

Deus não pensa. Sente.

Sente e não se vê tentado?
 
Como julgar gente
 
Sem saber o que é pecado?
 
Concluo, Deus não pensa.
 
Deus não sente a tentação.
 
Feliz, viva quem vença,
 
Quem O tem no coração.

 
Sétimo dia:

Na hora que se esfria,
 
Sentas-Te a olhar
 
Este quadro de candura.
 
Há cor no Teu fitar,
 
Outra forma de pintura.
 
Eu, sem perspetiva,
 
Tento ver o que não vejo.
 
Como dói a tentativa
 
Neste quadro de desejo!




Ouve! Ouve o meu martírio,
No romper do meu delírio!



Cala!



Cala um sopro forte

Apaga a chama
 
Grita a morte.
 
Por quem ama
 
Sobre a sorte,
 
Pinta a ferida
 
E nasce a vida.
 
Oh! Fogo desta morte!
 
Tu que queimas o meu peito
 
Com o sangue do teu corte
 
Entre o Nada e o Perfeito.
 
Cessa a minha dor,
 
Perpetua esse feito.
 
Mata o meu amor
 
Mas encosta-me ao seu leito...
 
Arrepias carne e alma,
 
Eriças-me o pecado.
 
Suplico! Dá-me a calma
 
Do meu fim, do meu Fado.

João Rio

1 comentário:

  1. A cosmogonia é sempre um tempo inspirador. Esta é forte: a palavra certa torna-nos deuses.

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