Pensei, passeei-me pelas ideias… Delas adveio porém a angústia, a frustração de quem cria. Mergulhei então num desajuste exasperante entre a vontade e a obra que, em si, não me satisfaz. Procurei inspirar-me. Tentei, sob um estado de alma enamorada, produzir. Esperava algo. Algo realmente belo. Contudo a obra pareceu, ainda que num plano teoricamente belo, esboçar-se toscamente. Foi então que sucumbi à revolta. Precipitei-me sobre a tela e, entre esboços ténues de um sonho, pintei-a.
Vi, daquele perpétuo vazio, romper a vida. Apresentava-se sob uma cor vermelha, berrante. A sua essência estava longe do meu propósito, da minha ideia. Só me restava lamentar, pensei. Acabara de condená-la, sujeitá-la ao erro. Percebi, por fim, a dimensão do que fizera. Julgara-me capaz. Ainda que com talento, falhei.
Tantas foram as noites em que meditei sobre o teu valor, Amor. Tantos foram os dias de introspeção… Acreditei ter captado a tua essência. Acreditei poder desenhar-te com rigor. Mas não.
Desejava agora o teu fim sobre a tela. Quis apagar-te. Libertar-te. A tua existência, como a minha, resultou de uma fenda. Uma rutura do Perfeito onde tu, na tua morte, podias viver sem os erros do meu traço. Entendo agora o meu engano. Nunca te pude ver. Só tu, sob a beleza da carne, pudeste sempre pintar-te sobre a minha alma. Num plano geométrico podia estabelecer uma analogia entre a tua forma e uma circunferência pelo que esta se revela através de uma imagem perfeita. Mesmo estando fechada sobre si mesma. A Felicidade é a reta: a Circunferência cujo raio se estendeu ao infinito. É nesse plano abstrato que se define o concreto: eu que por ti sofro. Já não suporto este tormento, quero escapar-me. Fugir aos males da tua condição. Em mim, vive agora a morte. Não te iludas, sou um vencedor. Pintarei por fim a minha tela. Eu, não tu.
Sinto-me então pronto a transpor a muralha primordial. Julgava-a mais forte, resistente aos teus feitos. Sei que já o fiz uma vez, no entanto era demasiado novo para o recordar. Não tinha outro destino que não o deste lado, o da vida. Ao nascer, acabara de mergulhar nesta dor que, a princípio, desconhecia. Hoje é diferente. Preparo-me para outro destino, outra tela. Uma tela desprovida das tuas formas, da tua cor. Ouve-me. Escuta o meu riso de sábio, de louco. Ri-te também. Não é irónico? Creio numa não existência mais feliz e, apesar disso, sinto medo. Medo de perder o que tens de mais puro, de mais belo. Vê-me. Vê-me chorar. Choro por ter esperança. Esperança de te voltar a ver como já vi. Quero regressar. Quero voltar a contemplar a tua essência, a tua Verdade. Quero encontrar-te. Quero fugir de ti. Quero uma fenda na muralha!
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