sábado, 11 de maio de 2013

   
    Acredito que todos nascemos com uma Verdade do que é a Felicidade. Porém esta Ideia, ainda que figure em nós, nunca nos pertence. Resta-nos, então, experimentar um deleite doloroso de algo que já foi ou que está para vir. Vivemos, numa sucessão de presentes, um desajuste exasperante que nos esmaga com o peso leve da Saudade. É no domínio do “algo”, do vago, que a nostalgia se evidencia sob a estranha ausência das formas. Ausência que, entre os nadas da vida, nos preenche o espírito de um lume que não pode ser compreendido pela razão. Semelhante é, na distinção da nostalgia, a impossibilidade de definir o que, apenas por via empírica, se sente como vazio consciente.
    A consciência, a que o Nada se prende, deu-nos, pela sua falta, um quase Tudo que só existe na infância. Assim, ainda sem senso, o melhor sentir sentimos. No entanto, esta pureza das sensações perde-se. Morre quando crescemos. A Felicidade, experimentada na fase mais primária do homem, surge como um ressoar melancólico. Eco do que foi e já não é. Do que foi por não pensar, do que já não é por não sentir. A morte da infância, da “alegre inconsciência”, afasta-nos de um calor que, embora experimentado, não foi entendido, diz-se.
    Não é fácil escrever para crianças, verdade. A simplicidade do Belo foge à nossa compreensão à medida que crescemos. A Verdade desta Beleza, deste Tudo, múltiplo de Nadas, não pode ser compreendida pelo homem que vive e ama. É uma beleza única, superior e sem perspetiva humana.
    Apenas o artista, movido pelas pulsões de um sonho de outrora, consegue vislumbrá-la enquanto um todo universal que não pode ser contemplado. Um todo que não nasceu. Um todo que não morre. Um todo que é Vida.

João Rio

1 comentário:

  1. Excelente reflexão que agita e desassossega, como agora costuma dizer-se, aqueles que gostam da sombra ingenuamente.
    Usei agita de propósito e não para acumular ou demonstrar um exercício de sinonímia, é que agita vem de "ago", verbo latino "agere", agir. Oxalá agite, então, os que preferem a sombra ingenuamente. Reis não gostaria disto, Pessoa, sim. Mas se deres uma olhadela para Pascoaes, não seria nada mau, para completares o ramalhete.
    De um seguidor atento.

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