quinta-feira, 3 de janeiro de 2013



“O Homem não nasce mas é construído”
 
    Esta afirmação do Dr. Itard remeteu-me para uma ideia de um escritor que muito admiro, Gonçalo M. Tavares. Na sua infância, enquanto filho de um engenheiro, surpreendia-o que para a construção de uma casa o primeiro passo fosse escavar. Para quê cavar um buraco quando se quer construir em altitude? O escritor, aludindo ao seu período de formação, prossegue com a ideia da criação das bases, fundações. Era até com alguma surpresa que o próprio, em pequeno, constatava que só se chegava ao solo, ao ponto zero, passados alguns meses. Esses meses, desmontando uma metáfora que se pode aplicar à afirmação, correspondem a uma gestação que nos confere determinadas bases hereditárias. Essas bases, à luz do papel da hereditariedade, vão ser essenciais ao processo de construção. Poderão contrapor-me e lembrar que ainda nada se construiu, estamos apenas no solo. Verdade. No entanto, a solidez dessas estruturas, estendendo ao plano de desenvolvimento do homem, ainda que não assegurem qualquer tipo de construção, são fundamentais para uma maior ou menor correcção das mesmas.
    O menino selvagem, à semelhança de qualquer um de nós e, indo ao encontro da frase enunciada, não nasceu feito, construído. Esse é um processo que, em grande parte, surge da necessidade de adaptação ao meio. Do solo, armado de betão, brotou a vegetação. Esta ,primeiramente rasteira, foi crescendo na medida em que a natureza deixou. Essa, mãe do verde e do ferro, cobriu-lhe as bases num matagal que em nada se parecia com uma casa, um prédio. A pedagogia, por meio de uma construção difícil, morosa, de pouco serviu para elevar o que, pela mão da Terra, se desmorona. O comportamento humano sobre o qual reflito, tomando o menino selvagem como exemplo, não suporta a ausência das estruturas hereditárias. Porém, uma vez inexistente a mão humana na maturação da criança, a natureza, num ajuste selvagem e cruel, não se limita, como disse, a derrubar bases e fundações. Perverte a essência de um ser que, sob uma beleza selvagem, brota da Terra e ergue ao Sol.
 
João Rio
 
 

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