
“O Homem não nasce mas é construído”
Esta
afirmação do Dr. Itard remeteu-me para uma ideia de um escritor que muito
admiro, Gonçalo M. Tavares. Na sua infância, enquanto filho de um engenheiro,
surpreendia-o que para a construção de uma casa o primeiro passo fosse escavar.
Para quê cavar um buraco quando se quer construir em altitude? O escritor,
aludindo ao seu período de formação, prossegue com a ideia da criação das
bases, fundações. Era até com alguma surpresa que o próprio, em pequeno,
constatava que só se chegava ao solo, ao ponto zero, passados alguns meses.
Esses meses, desmontando uma metáfora que se pode aplicar à afirmação,
correspondem a uma gestação que nos confere determinadas bases hereditárias.
Essas bases, à luz do papel da hereditariedade, vão ser essenciais ao processo
de construção. Poderão contrapor-me e lembrar que ainda nada se construiu,
estamos apenas no solo. Verdade. No entanto, a solidez dessas estruturas,
estendendo ao plano de desenvolvimento do homem, ainda que não assegurem
qualquer tipo de construção, são fundamentais para uma maior ou menor correcção
das mesmas.
O menino
selvagem, à semelhança de qualquer um de nós e, indo ao encontro da frase
enunciada, não nasceu feito, construído. Esse é um processo que, em grande
parte, surge da necessidade de adaptação ao meio. Do solo, armado de betão,
brotou a vegetação. Esta ,primeiramente rasteira, foi crescendo na medida em
que a natureza deixou. Essa, mãe do verde e do ferro, cobriu-lhe as bases num
matagal que em nada se parecia com uma casa, um prédio. A pedagogia, por meio
de uma construção difícil, morosa, de pouco serviu para elevar o que, pela mão
da Terra, se desmorona. O comportamento humano sobre o qual reflito, tomando o
menino selvagem como exemplo, não suporta a ausência das estruturas hereditárias.
Porém, uma vez inexistente a mão humana na maturação da criança, a natureza,
num ajuste selvagem e cruel, não se limita, como disse, a derrubar bases e
fundações. Perverte a essência de um ser que, sob uma beleza selvagem, brota da
Terra e ergue ao Sol.
João Rio
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